Bandida A Número Um | A história real que o filme não mostrou

Bandida A Número Um, dirigido por João Wainer, mergulha na vida de Rebeca, a primeira mulher a chefiar o tráfico de drogas na Rocinha, nos anos 1980. O filme, que estreou em 20 de junho nos cinemas, acompanha a trajetória da personagem desde a infância até sua ascensão no crime organizado. No entanto, a história real de Raquel de Oliveira, a mulher que inspirou a trama, é ainda mais densa e dramática do que o filme revela.

A Infância Traumática e o Início no Crime

Raquel de Oliveira nasceu na Rocinha e enfrentou uma infância marcada pela violência e pela miséria. Desde os seis anos, ela foi exposta ao mundo das drogas, começando a cheirar cola para enganar a fome. Aos nove anos, sua avó a vendeu para um bicheiro, prática comum na favela na época. Nesse ambiente brutal, Raquel rapidamente foi inserida no submundo do crime.

Aos 11 anos, ganhou sua primeira arma e começou a trabalhar para o jogo do bicho, realizando tarefas como a contabilidade dos lucros. Foi nesse ambiente que ela aprendeu a sobreviver e, eventualmente, se aproximou do tráfico de drogas.

A Ascensão ao Poder na Rocinha

A trajetória de Raquel no tráfico de drogas se intensificou após a morte de seu namorado, Ednaldo de Souza, o Naldo, que era chefe do tráfico na Rocinha. Após a morte de Naldo, Raquel assumiu seu lugar, tornando-se a líder do tráfico na favela, uma posição dominada por homens. Naquela época, ela enfrentou três guerras pelo controle da comunidade, envolvendo-se diretamente nos confrontos e liderando as operações com mão firme.

Embora tenha vivido o auge do poder no crime, Raquel também enfrentou seus próprios demônios. Ela se tornou dependente de cocaína, vício que a consumiu por anos. Em entrevistas, Raquel descreve como o uso de drogas destruiu grande parte de sua vida e de seus ganhos.

A Luta Contra o Vício e a Redenção pela Escrita

Raquel conseguiu escapar de um caminho sem volta graças à ajuda de pessoas que acreditaram em sua recuperação. Durante seu processo de reabilitação, foi incentivada a escrever como forma de expressar suas emoções. Foi nesse momento que ela descobriu um talento até então oculto: a escrita. O ato de colocar no papel suas experiências serviu como uma forma de cura.

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Depois de superar o vício, Raquel concluiu o ensino médio, formou-se em pedagogia e começou a publicar poesias e contos em eventos literários. Sua autobiografia ficcional, A Número Um, foi lançada em 2015 e narra, em detalhes, sua vida no tráfico e os desafios que enfrentou. O livro foi um sucesso e teve os direitos comprados para adaptação cinematográfica.

A Realidade da Rocinha Hoje

Embora tenha deixado o tráfico há muitos anos, Raquel ainda vive na Rocinha e acompanha de perto a violência que continua a assolar a favela. Em entrevistas recentes, ela expressa seu ceticismo em relação ao futuro, acreditando que a história se repete na comunidade, com novos confrontos e a entrada de facções criminosas.

Raquel reflete sobre sua própria trajetória com uma mistura de tristeza e alívio. “Eu não tenho arrependimento. Eu agi conforme a lei que eu conhecia. Como eu poderia ir por outro caminho, se só tinha aquela estrada ali?“, disse ela em entrevista à BBC.

Hoje, ela vê o tráfico de drogas como uma armadilha sem saída para muitos jovens da favela, mas celebra sua própria sorte em ter conseguido encontrar um caminho alternativo na literatura.

Bandida A Número Um e o Que Ficou de Fora

Bandida A Número Um captura a essência da história de Raquel de Oliveira, mas algumas das camadas mais profundas de sua experiência real não são exploradas completamente no filme.

A produção foca principalmente na ascensão de Rebeca ao poder no tráfico, mas não aprofunda tanto os traumas pessoais e a dura realidade que Raquel enfrentou desde a infância.

O filme é uma poderosa dramatização, mas a história real de Raquel — marcada por abusos, vício, violência e, finalmente, redenção — vai além do que as telas conseguem mostrar. Para aqueles que quiserem entender melhor essa trajetória impressionante, seu livro A Número Um oferece uma visão mais completa e crua dos desafios de uma mulher que, contra todas as probabilidades, conseguiu sobreviver e se reinventar.

Com o filme agora nos cinemas e a história de Raquel ganhando mais visibilidade, é um lembrete de que as narrativas de superação podem surgir dos ambientes mais sombrios, trazendo à tona a força de quem lutou para escapar de um destino aparentemente inevitável.